Depositamos boa parte das nossas esperanças fora de nós mesmos. Esperamos que aquele irmão, pai, mãe, amor nos contate, de um olá, peça desculpas, mude de opinião e nos transforme o dia. Esperamos que a economia, o dólar, o PIB, a política possa melhorar nossas vidas. Esperar é torturante quando o futuro se torna incerto, e cada vez mais ele é, ao ponto de gerar angústia, ansiedade e até pânico.
Dói esperar a filha que não volta da festa, o exame médico que pode ser definitivo, o avião que atrasou sem explicação, a espera pela ajuda ou caridade. Fere e destrói a frustração de olhar a casa nunca acabada, o emprego que fica só na entrevista, a viagem de férias sempre adiada, a rua nunca calçada, o esgoto a céu aberto. É a dor pelo que podia acontecer, mas nunca acontece.
Samuel Beckett chegou a escrever uma peça do Teatro do Absurdo, intitulada “Esperando Godot”, onde as personagens passavam a peça inteira esperando por alguém que nunca chegava, enquanto isso a vida passava. Esperamos e esperançamos. Quando esperamos, paramos. Quando esperançamos, sonhamos. E tanto esperar quanto esperançar causam dor silenciosa: esperar traz a dor da angústia pelo que nunca chega, esperançar traz consigo a dor do medo que o sonho vire pesadelo.
Epiteto, filosofo estoico do Século I, dizia que havia pessoas que se concentravam em fazer aquilo que estava na sua alçada e outras que esperavam por fatores alheios: o ambiente, a sorte, o bom tempo, a boa vontade dos outros, os governos para alcançarem o sucesso ou a felicidade. Os primeiros, que davam conta do que estava sob sua esfera, mesmo não atingindo, tinham a felicidade do dever cumprido, de terem feito o que lhes cabia e era possível. Os segundos, que esperavam o ambiente propício e favorável, passavam o tempo a reclamar da sorte e, mesmo quando esta chegava, não sabiam o que fazer por não estarem preparados para desfrutar dela, pois nada tinham aprendido da vida.
Se escutamos Epiteto, entendemos que contra um futuro só nos resta arregaçarmos as mangas e dedicarmos nossa atenção e energia ao que está sob nosso controle. Se o futuro do País é incerto, se o destino da humanidade se apresenta sombrio, se a “nova ordem mundial” te ameaça, ainda assim sobra muita coisa para fazer e que há muito tempo está atrasada. Lembra da limpeza dos armários que só depende de você, da conversa com a esposa que precisa ser atualizada, da horta abafada pelo mato, dos estoques que precisam ser organizados, da lista de tarefas importantes que nunca são terminadas? Ali está o antídoto para a dor angustiante pelo futuro. Concentre-se no que de fato existe agora e precisa ser feito, o que virá depois dependerá tanto ou totalmente disso.
Mas cuidado, até o remédio quando usado em excesso causa danos. Se dedicar apenas ao presente te fará óbvio e reativo, emergencial e nada estratégico. É necessário ter um plano. Mas em ambientes incertos costumamos desvalorizar ou subestimar o planejamento. O fato é que confundimos planejamento com adivinhação, futurismo, ficção e projeção da realidade. Precisamos concentrar em planejar e controlar o que é previsível. Explicando: no ano que vem, por mais instável e variável que esteja o cenário, muita coisa ainda será igual: a planta da fábrica será a mesma, o grosso do mercado será o mesmo, os fornecedores ainda serão os mesmos, a equipe, na maioria, será a que aí está, os impostos ainda estarão nos mesmos patamares, enfim, existe uma gama de itens relativamente estáveis que podem e devem ser planejados.
Errar no imprevisto é justificável e compreensível, errar no previsível é desleixo, falta de inteligência e responsabilidade. Uma boa técnica é separar na sua vida ou empresa o que não irá mudar, o que poderá mudar um pouco e o que mudará muito. Ao que não irá mudar: metas claras; ao que irá mudar um pouco: flexibilidade; ao que irá mudar muito: contingência (defina formas e recursos para evitar danos ou aproveitar oportunidades).
A técnica é simples, mas exige sabedoria. Não sei se escutei ou acabei adaptando dos tantos mitos gregos que já li, mas gosto de usar o mito do cego, vendado, no escuro com uma bengala na mão (procurei muito, mas não encontrei a origem, pode ser que eu tenha criado, vai saber):
Para chegar ao objetivo é preciso deixar de ser cego, mudar nossa natureza e ter de volta a visão, mas ainda resta a venda, por isso é preciso remover os obstáculos que nos impedem de ver – crenças e ignorâncias, porém, mesmo com a capacidade de ver e sem obstáculos aos olhos, resta a escuridão, ou seja, a incerteza do caminho, que só pode ser iluminada pela luz do conhecimento. Dotados de visão, sem obstáculos atrapalhando e com conhecimento clareando o caminho para seguir adiante, àquele que estava cego, uma bengala será fundamental, pois o chão precisa ser sentido: a cada toque da bengala ela nos diz se território está firme para o próximo passo, livre e seguro para avançar. Em se falando de estratégia, talvez o cego, aos tempos atuais, esteja mais preparado para avançar do que a maioria dos que se acham privilegiados pela visão.
Então, se dedique a criar uma visão possível da sua empresa/vida, elimine as vendas/obstáculos que impendem de olhar adiante, busque luz (informações e conhecimento) para iluminar até onde for possível e inicie a jornada, mas não esqueça de bater a todo momento a bengala para ter a segurança em cada passo dado.